O procedimento de encerramento de locações no Brasil e o enriquecimento sem causa das imobiliárias – A realidade do mercado de locações em confronto com a Lei 8.245/91

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A maioria dos brasileiros reside em imóveis alugados. Muitos assim o fazem por escolha, pois não consideram a casa própria uma vantagem; ou, ainda, porque decidem adiar o sonho de adquirir imóvel próprio. Desse modo, são inquilinos por longo período, por escolha. Há também, por outro lado, os indivíduos e famílias que residem em moradias alugadas por necessidade, pela falta de poder aquisitivo para adquirir moradia própria.

Em função desse panorama, o mercado de locações se expandiu nos últimos anos no Brasil, com aumento da procura por imóveis para aluguel, seja para moradia, seja para locação comercial ou lazer. Especialmente após a ocorrência da pandemia de Covid-19 no Brasil, a busca por imóveis para locação se intensificou muito. No estado do Rio Grande do Sul houve alterações significativas na realidade dos alugueis, sobretudo os de natureza residencial, em razão do impacto provocado pela enchente histórica de maio de 2024, cujos efeitos se fazem sentir, por muitos, até o presente momento. Desse modo, o valor dos alugueis aumentou bastante no estado, como consequência de tantos imóveis destruídos pelas chuvas, o que modificou substancialmente o caráter do mercado de locações na região.

Seja antes ou após a pandemia, há uma circunstância nos contratos imobiliários de aluguel, observável, sobretudo, nas locações residenciais, que não deve ser ignorada, pois tem causado enormes prejuízos àqueles que necessitam ou que preferem residir ou trabalhar em imóveis alugados: as exigências feitas para o encerramento do contrato de locação.

Nesse contexto, infelizmente são bastante comuns as situações em que as representantes dos locadores efetuam exigências que estão muito além do disposto no artigo 23, inciso III, da Lei de Locações, o qual diz o seguinte:

“Art. 23. O locatário é obrigado a:

III – restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal;”

Ora, a norma em destaque deixa claro que o inquilino não é obrigado a, por ocasião do encerramento da locação, realizar ajustes ou reparos além da situação do imóvel ao início do contrato de aluguel. A obrigação do locatário se restringe a realizar pequenas manutenções, de caráter superficial, não estruturais, ao longo do período da locação. Contudo, reconstituir o imóvel, ou realizar reforma para deixá-lo em condições superiores às do começo do contrato é INEXIGÍVEL, constituindo exigência abusiva e indevida, porquanto a reforma do imóvel, a realização de melhorias e reparos estruturais são de responsabilidade inequívoca do PROPRIETÁRIO.

Além disso, a norma ressalva as “deteriorações decorrentes do uso normal do imóvel.” Ora, o que seriam essas deteriorações? Vejamos. Todo imóvel, uma vez utilizado, em especial por longo período, enfrentará desgastes naturais em sua pintura, paredes, piso e mobília – na situação de imóveis mobiliados ou semi-mobiliados. É o que se espera do uso natural. Portanto, repor ao proprietário móveis estufados, inchados em decorrência de umidade, por estar localizado em cômodo úmido do imóvel, como pias ou armários de banheiro, não é razoável. Por idênticas razões, tendo em vista o que discorre o inciso III a que nos referimos, não é exigível ao inquilino que arque com valores em nível de reforma do imóvel, sob pena de evidente enriquecimento injustificado a quem administra esta espécie de contratos, ou ao proprietário do imóvel.

Nesse ínterim, é preciso que todos nós, que trabalhamos com o mercado imobiliário e condominial, possamos fazer a seguinte reflexão: é razoável exigir aos inquilinos que realizem pinturas novas em imóveis entregues com a tinta descascando, ou que arquem com problemas estruturais que a norma legal evidencia serem uma incumbência exclusiva e indelegável dos proprietários? É lícito exigir-se remendos que superam as condições iniciais do imóvel, em clara atitude de oneração aos inquilinos, muitos dos quais não possuem outra forma de moradia a não ser por meio do aluguel residencial, ficando, assim, reféns das exigências feitas para que possam findar a locação?

Tais questionamentos se fazem imprescindíveis, pois o mercado tem exigido muito dos inquilinos, em total descompasso com a norma legal. Como se não bastasse, muitas vezes, as exigências indevidas e ilegais vêm acompanhadas pela negativa de receber as chaves, enquanto o inquilino não devolver o imóvel de acordo com as “exigências da vistoria”. Ocorre que muitas vezes a vistoria de entrada faz vista grossa para problemas que já existem nos imóveis, não apontam avarias de maneira minuciosa no laudo de vistoria e, o que é ainda pior, a vistoria de saída exige melhorias que a norma legal diz não serem exigíveis, uma vez que perpassam o dever dos inquilinos, pela natureza da contratação. Em tais situações, é necessária a contratação de advogado para notificar extrajudicialmente a pessoa jurídica que representa legalmente o proprietário, a fim de que possa declinar das exigências ilegais e abusivas que destoam da Lei do Inquilinato. Ademais, caso negado o recebimento de chaves e/ou o pagamento das taxas de aluguel e acessórios, é possível fazer a consignação judicial das chaves ou valores. Lembrando que somente se pode exigir o pagamento de aluguel e taxas ao inquilino até a entrega das chaves do imóvel; mas, e se a empresa obstaculizar a entrega sob o argumento de que há melhorias não executadas? O caminho será a notificação, e posteriormente, se a via extrajudicial não for exitosa, o ajuizamento de demanda judicial para a solução integral do problema.

O mercado de alugueis, tão requisitado por uma grande parcela da população, encontra-se em descrédito em razão das abundantes e frequentes exigências indevidas ao término dos contratos de locação. É necessário bom senso, atenção à lei, empatia e boa-fé. Sim, boa-fé. Exigir reparos em caráter abusivo importa em enriquecimento injustificado ao proprietário do imóvel e ao seu representante, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico. Impedir o enriquecimento indevido às expensas dos inquilinos é o dever de todos nós.

Jennifer Gama de Almeida

Advogada Cível, Imobiliária e Condominial

OAB/RS 96.921

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Jennifer Gama de Almeida

Jennifer Gama de Almeida

Advogada cível há 10 anos, com atuação em imobiliário e condominial; especialista em direito processual civil e entusiasta de uma advocacia focada em soluções extrajudiciais para os conflitos. Tem por missão auxiliar os síndicos orgânicos e profissionais a desenvolverem uma gestão de sucesso e a deixarem seu legado no condomínio, o que é possível por meio de um bom planejamento, e a partir do uso das ferramentas certas. Sejam todos muito bem-vindos!

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